Era bem mais confortável a solidão. Quanto mais previsível, melhor. Perder o controle era mais que um soco na barriga. O plano era ir sendo sem compromisso, mas o sossego fez as malas. Aí parecia um retrato meu lá fora: uma tempestade. Muito tudo para nada. O bolo era mais bonito no prato. Agora dá azia. Se antes coexistia em total harmonia, agora o vazio ocupa cada espaço, na maior cara de pau. Por isso eu digo: emoção, só na platéia. Mas tirando o lado ruim de tudo isso... acho que não sobra nada.
Melancoliar é bom quando as lágrimas derrubam a força e assumem o comando. Tanto faz o porquê, porque o que importa é limpar a alma, pingar a tristeza que veio, foi ou aquela que ainda nem tem cor. Lamentei a falta de dor. O vazio também incomoda. A pupila mareada escorria sem ver sofrer. Quando a missão parece cumprida, comprida, sem vida. Aí sim arde. Porque mais dolorido do que ser é deixar passar sem sentir. Agora gotejo tudo aquilo que deixei de ser na esperança de ainda dar tempo.
Já ouvira tanta coisa sobre amor. E naqueles dias sentia mais do que nunca uma vontade funda funda de ter bem mais. Ser mãos juntas, braços dados, pensamentos. Queria saber que, por mais que existisse a distância, haveria um olhar sobre ela. Sabia bem que lhe sobrariam motivos para se levantar. O relógio não seria mais o mesmo. As horas não passariam vagas. Os ponteiros seriam atropelados pela saudade e pelo bem querer. Aquele fogo quente de amor novo. Queria o novo. Olhos atentos ao detalhes, que depois, seriam revividos, segundo a segundo, assim que a ausência se posse. Vai-se o medo. Vem a saciedade. Vai-se a solidão e faz-se (oni)presença. Podia quase sentir aquilo tudo que já bem conhecia. Mas sabia que não era chegada a hora. E por mais que a calma lhe confortasse a alma, a porta ainda estava aberta.
As coisas não andavam mais sob seu comando. Estava fora do alcance e do controle. Ela, que gostava de tudo certo e na medida, esbravejava. E o tempo não correspondia. Corria com suas próprias pernas, metido. Ela queria agora, pra ontem, com pressa. Ele, independente, nem dava bola para os chiliques da mimada. Ela queria uma resposta, uma luz. (...) E nada! E o tempo seguia tranqüilo, sem compromisso, arrastando os chinelos. Com os olhos vidrados no tictaquear dos ponteiros, só lhe restava esperar.
Ela não queria mais a poeira dos móveis, o cheiro velho da lembrança. Precisava de mais do que isso. Ela queria sentir. Pulsando, invadindo a alma. Era preciso mais do que ela teve um dia. Tinha chegado a hora de guardar no fundo do armário tudo aquilo que não cabia. Flores, cartas, beijos. Tudo embrulhado com pompa. Tudo de mais precioso, mas que já não cabia nela. Não combinava com os móveis, não servia. Embrulhou seus sonhos e planos com seu pranto branco. Amarrou de saudade e cobriu com o tempo. Estava guardado, longe das mãos. Mas era um pedaço dela. Por mais que lhe escapasse aos dedos, nunca lhe sairia da memória.
O fim é sempre uma forma de recomeço. Por mais que ela lamente, torça o nariz, sinta aquela dor fina, o fim é sempre necessário. O novo não seria novo se o velho não tivesse passado da conta. Tudo tem um pouquinho de fim e começo. Todo fim tem um pouco de lamento, saudade e má vontade. Tem também um pouco de suor, falta de ar e soluço. Mas aí chega a hora de se despedir daquilo que não tem mais lugar, que pede só um pedaço da memória e um cantinho pra encostar. Chega a hora de se despedir das lembranças. E é doloroso o risco do esquecimento. Talvez por isso ela temesse o relógio e o ponteiro que corre depressa e varre tudo aquilo que alguns momentos deixaram. Cheiro, gosto, tato. Aquilo que antes era quase que palpável, vai ficando em preto e branco, distante das mãos, com cara de velho. Não tem mais som, cheiro, gosto. Como se o tempo evidenciasse a ausência, a perda, a velocidade, o caos. E a vontade do novo chega. Como não se pode ter o que viveu, vem a vontade de novos momentos. Mais coloridos, nítidos, sensoriais. Momentos que a gente conta, escreve nas paredes do quarto, grita. Pra que de alguma forma, quem sabe, eles fiquem eternizados.
Foram poucos os momentos de alívio. Aquele sossego branco e morno, daqueles que dá vontade de dormir. Ainda sentia sua alma ausente, seus passos leves, quando o sangue voltou a correr, nervoso. Ela não entendia como tudo podia mudar tão rápido. Não bastava ter pela metade. Não bastava ser pela metade. Ela teve que chorar pelos cantos, uma tristeza sufocada e maquiada. Maquiada de mulher forte. Mas ela não conseguia respirar. Era pesado demais esconder tudo aquilo em um só corpo. E ela já sentia saudades. Sentia falta dos momentos que planejou sozinha, que anotou na agenda, que viveu em pensamento. Sentia falta daquilo que ela quase teve. Quase. Era pesado não poder dizer o quanto aquilo doía fundo e fino.
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